A relação entre a dinâmica da inflação (IPCA) e a política de juros do Banco Central é o fundamento do chamado regime de metas. Na gestão atual, liderada pelo presidente Campos Neto, a diretoria do Bacen tem se mostrado bastante rigorosa com relação a esse fundamento, condicionando a redução da Selic à convergência da inflação para a meta, fixada ousadamente em 3% para o próximo ano.
Ocorre que os reflexos da pandemia e das políticas adotadas em resposta, somadas a outras que foram colocadas em prática no ano eleitoral de 2022, distorceram acentuadamente a trajetória da inflação. De certo modo, somente agora, com os resultados de outubro, pode-se dizer que todos esses efeitos cederam e a inflação acumulada em doze meses pode ser tomada como um parâmetro mais seguro para a política monetária.
Assim, segundo o IBGE, o IPCA registrou em outubro alta de 0,24%, abaixo da taxa de 0,26% registrada em setembro. Nos últimos doze meses a alta acumulada chegou a 4,82%, abaixo dos 5,19% observados nos doze meses encerrados em setembro. Na última edição do Relatório Focus, cuja pesquisa ocorreu no mesmo dia da divulgação do IPCA (10 de novembro), as projeções de mercado para 2023 continuaram sendo ajustadas para baixo, passando de 4,75% quatro semanas antes para 4,59%. Para 2024, a mesma fonte continua projetando alta do IPCA próxima de 3,9%, dentro do intervalo de tolerância da meta que é de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos em torno do centro (3%).
Um aspecto importante do IPCA de outubro refere-se ao comportamento dos alimentos que pressionaram o índice até meados do ano. O grupo alimentação e bebidas teve alta de 0,31%. Mas esta se seguiu à variação negativa do mês anterior (-0,71%) e não caracteriza uma nova tendência de alta. Em paralelo, a taxa de câmbio vem resistindo bem às incertezas no cenário internacional, tendo voltado ao patamar abaixo de R$ 5 ainda em outubro. Por fim, os preços internacionais das commodities também estão colaborando com perspectivas otimistas com respeito à inflação. Segundo o Banco Mundial, em outubro os preços das commodities energéticas estavam 24,2% abaixo da média de 2022, enquanto os preços dos alimentos foram 11,5% menores na mesma base de comparação.
O elemento de cautela no que se refere à inflação e às taxas de juros está no campo fiscal. O Executivo Federal tem dado sinais contraditórios sobre a meta de déficit primário zero em 2024, com uma importante dissonância entre o Ministro da Fazenda e o Presidente da República. Na ata da última reunião do COPOM, de 1º de novembro, a diretoria do Bacen manifestou clara preocupação com o possível impacto de uma política fiscal mais frouxa sobre a inflação, o que poderia impor um piso mais elevado para a Selic em 2024.
A questão é: por que o governo desistiria de uma meta de déficit zero que havia sido tão bem recebida pelos agentes econômicos e analistas de mercado? Uma resposta possível se refere ao ritmo lento de crescimento da atividade econômica registrado ao longo do segundo semestre, combinado com o quadro inflacionário favorável, descrito acima. Uma estratégia de acelerar a demanda a partir dos gastos públicos teria como objetivo favorecer o crescimento a curto prazo, ainda que isso pesasse de forma desfavorável na balança inflacionária. No horizonte de 2024 essa pode ser uma aposta crível. Mas, a longo prazo, pode colocar a trajetória das contas públicas em uma condição indesejada de endividamento excessivo.
Matéria publicada no Sinduscon-SP