A calmaria inflacionária, com seus três meses de recuo nos índices, era um fenômeno sabidamente destinado a ser passageiro. E os resultados de outubro encerraram abruptamente esse curto ciclo deflacionário. O IPCA, índice oficial do regime de metas, registrou alta de 0,59%. Avanço expressivo quando comparado ao mês anterior, quando o mesmo índice tinha apresentado variação de -0,29%. Com isso, a alta acumulada do IPCA em doze meses chegou em outubro a 6,47%.
Apesar de esperada, a elevação do IPCA em outubro alterou as expectativas do mercado para 2022 e 2023, o que explicita que surpreendeu os analistas pela intensidade. Na edição de 18 de novembro, o Relatório Focus revelou que a projeção de inflação para o ano corrente chegou a 5,88% − há quatro semanas, o mesmo indicador era de 5,6%. No mesmo sentido, a projeção para 2023 passou de 4,94% há quatro semanas para 5,01%. Em ambos os casos, a variação projetada do IPCA está acima do teto do intervalo de tolerância do Bacen. Em linha com o cenário inflacionário, o mercado também elevou a projeção para a Selic em 2023, que passou de 11,25% quatro semanas atrás para 11,5% no último dia 18.
Mas essa alteração nas expectativas de mercado não está sendo causada apenas pelo alta de preços de outubro. O grande ponto de atenção hoje se refere à política fiscal. Nesse sentido, a chamada “PEC da Transição” está sinalizando para fortes pressões fiscais no próximo ano, uma “licença para gastar acima do teto” de nada menos de R$ 175 bilhões somente com o Auxílio Emergencial (ou Bolsa Família). Na forma como está redigida, a PEC também libera esses gastos de regras fiscais consolidadas há anos, como a exigência de compensar novas despesas com cortes compensatórios. Mas ainda há o risco bastante elevado de que o Congresso engorde ainda mais os gastos que poderão estar acima do teto.
O desrespeito ao teto de gastos não é uma prática nova – ocorreu nos últimos quatro anos, incluindo 2022. Mas se torna preocupante no contexto da sucessão. Essa prática aponta para uma política fiscal expansionista em 2023, o que deve pressionar o endividamento público e a inflação. E ambos os fatores apontam para a necessidade de manter a Selic alta por mais tempo. Daí os ajustes comentados acima nas expectativas do mercado.
É bem verdade que o Brasil tem hoje um Banco Central autônomo. Mas as contradições que estão se acumulando no horizonte da política econômica são de tal ordem que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, teve que afirmar há dias que permanecerá no cargo. Apesar de tranquilizadora, tal declaração explicita o nível de pressão que deverá recair sobre a política monetária, dado que a política fiscal irá remar contra a maré da alta de juros e em favor das pressões inflacionárias.
Vistos em conjunto, todos esses fatos apontam para um 2023 com menos crescimento, mais inflação e mais incerteza do que se projetava há quatro semanas – em grande medida, uma herança do descontrole orçamentário dos anos recentes. Enquanto isso, a equipe de transição reafirma seu compromisso com o equilíbrio fiscal mais ou menos como Agostinho de Hipona que escreveu em seu livro Confissões: “Senhor. Fazei-me casto…, mas não hoje”.
Matéria publicada no Massa Cinzenta