Por Eduardo Fischer*
Falar de inovação em um universo tipicamente “tradicional” e “conservador” como o da construção civil é, naturalmente, desafiador. É fato que o setor não evoluiu tão dinamicamente como poderia — com processos aplicados da mesma maneira há décadas e modelos de negócios estagnados no tempo.
Além de repensar esses modelos, para que sejam mais conectados aos novos comportamentos e necessidades das pessoas, grandes empresas do mercado têm buscado alternativas em processos construtivos que favoreçam a produtividade, a qualidade da entrega, a economia e as relações profissionais e com a cadeia de fornecedores, elevando a régua da sustentabilidade. E é claro que isso é positivo.
Mas, ao mesmo tempo, nos deparamos com um quadro global realmente alarmante: o UN Habitat — programa da ONU para o desenvolvimento de cidades e comunidades inclusivas, seguras e sustentáveis — aponta que atualmente, no mundo, 100 milhões de pessoas não têm onde morar. E que até 2030, 3 bilhões de pessoas precisarão de uma casa com condições adequadas de higiene e conforto; para atender a essa demanda, seria necessário construir 96 mil casas novas por dia.
No Brasil, o cenário é igualmente preocupante: hoje, o déficit habitacional no país gira em torno de 6 milhões de moradias. E mais: com 1 milhão de novas famílias sendo criadas todos os anos, e uma indústria nacional que entrega meio milhão de casas anualmente, fica claro que a conta não fecha.
Diante do panorama, é urgente e prioritário aprimorar a capacidade do setor em suprir a demanda, em número e qualidade. Sabemos que na equação não entram apenas as unidades que podem ser construídas ao longo do tempo; também é fator fundamental a questão do acesso à moradia. Mas em termos de disponibilidade de habitações, e de prover soluções econômicas e adequadas, fica evidente a necessidade não só de evoluir e mudar, mas de fazer isso com uma velocidade sem precedentes na construção civil.
Sabemos, também, que a resposta para acelerar a evolução e a mudança está, sim, na inovação. Então, como incorporá-la definitivamente à realidade do setor?
Mais do que um “refresh”, acredito em um “restart” na própria maneira de pensar a inovação na construção civil. Se seguirmos olhando só para dentro de casa, para o que sempre fizemos, vamos continuar com mais do mesmo: colocando a inovação em um lugar “instrumental”, focando mais na produção do que na resolução do problema real. E ainda que isso seja importante — toda empresa tem que atingir metas, gerar resultados e se manter viável e crescendo — certamente não é tudo.
A inovação precisa assumir um papel de “modo de pensar” — e não de mera ferramenta de produtividade — se quisermos que a transformação venha do próprio setor da construção civil. Caso contrário, seremos tomados de assalto, e talvez de surpresa, por ela. Outros segmentos já experimentaram transformações profundas que nasceram fora dos muros de seus grandes players — estes, intensamente impactados por movimentos disruptivos capitaneados por agentes “externos”; mobilidade é um bom exemplo.
Em outras palavras, se o negócio, na visão mais ampla do termo, vai mudar, que isso aconteça pelas nossas próprias mãos.
É preciso que as lideranças dediquem tempo para olhar para o futuro, para outros lugares, para novas formas de criar, planejar e agir. Que ampliem o foco para além da operação, do dia a dia, observando atentamente o que pessoas e empresas fazem de novo. Que disseminem esse jeito de ser e atuar, criando cultura, espaços e estruturas para que suas organizações possam incorporar esse novo naturalmente.
Em vez de sermos absorvidos pelo instinto de sobrevivência, precisamos absorver aquilo que catalisa a mudança. Envolver novos agentes — outros setores e áreas, startups, academia, pessoas e suas ideias — e, a partir do apoio da nossa indústria, dar a eles um poder que eles ainda não têm. E tentar, assim, subverter a lógica de que algo que revoluciona um mercado nunca vem de dentro dele.
A mudança vai acontecer. Principalmente porque ela precisa acontecer. Cabe ao setor da construção civil trilhar o caminho para ser parte — e não espectador — dela.
*Eduardo Fischer é CEO da MRV
Matéria publicada na Abrainc