A ABCIC tem trabalhado fortemente para o desenvolvimento da construção industrializada de concreto no país. A entidade atua em diversos contextos, em âmbito nacional e internacional, disseminando os benefícios da industrialização para o setor, para a economia e para a sociedade. Nesse sentido, o Conselho Estratégico tem papel fundamental para nortear e apoiar as ações e atividades da presidência executiva, a fim de evidenciar ainda mais a pré-fabricação de concreto no Brasil e ampliar a utilização do sistema construtivo para a maior produtividade, sustentabilidade e rentabilidade da construção.
Para o biênio 2022/2024, a presidência do Conselho Estratégico será exercida pelo engenheiro civil Felipe Cassol, que atua há 17 anos na pré-fabricação de concreto, exercendo papéis relevantes em áreas como governança corporativa, estratégia empresarial, gerenciamento de projetos e formação de equipes de alta performance.
Mais jovem presidente do Conselho Estratégico nos 20 anos de trajetória da ABCIC, Cassol, com 35 anos, avalia, em entrevista para a Industrializar em Concreto que as prioridades neste momento são realizar um novo Planejamento Estratégico, com a visão para os próximos cinco anos; focar no relacionamento entre os associados e o mercado, após dois anos de distanciamento social, e trabalhar a questão da sustentabilidade, baseado nas metas estipuladas durante a COP26. "Desde o início da ABCIC, a qualidade, segurança e padronização têm sido as bandeiras que impulsionam o desenvolvimento tecnológico do setor, pois não tem desenvolvimento tecnológico se não houver normalização e integração da qualidade, segurança e meio ambiente”.
A seguir, estão os principais pontos abordados pelo novo presidente do Conselho Estratégico da ABCIC:
Ano passado, o setor da construção apresentou um crescimento expressivo. Contudo, para este ano, as perspectivas são de um aumento menor.
Qual sua visão sobre essa atual situação?
As expansões da pré-fabricação historicamente aconteceram em ondas. Internacionalmente, esse movimento se inicia na Europa pela necessidade da rápida reconstrução pós segunda guerra mundial. A primeira onda no Brasil aconteceu nos anos 1970, no milagre econômico, a partir de iniciativas do BNH e desafios de crescimento da infraestrutura. Naquela época esse movimento iniciou de fato a industrialização da construção civil nacional e fomentou o nascimento de algumas empresas pioneiras por aqui, tais como nossas associadas Protendit, Cassol e Precon.
Na próxima onda, nos anos 1980, as multinacionais vieram para o Brasil com uma orientação mais forte de pré-fabricação para seus parques fabris, através de projetos internacionais, que visavam performance e prazo nas obras.
Nos anos 1990, houve o movimento de alguns varejistas multinacionais relevantes, como Carrefour e Walmart, que trouxeram uma cultura que impactou os varejistas locais. Nos anos 2000, a onda veio da evolução dos varejistas para os shoppings centers, com aprimoramento para edifícios multipavimentos.
Nesse período da virada do século, a ABCIC conseguiu organizar o setor, investindo primordialmente na padronização e qualidade, garantindo um ambiente propício para o desenvolvimento tecnológico de diversas empresas que, hoje, são protagonistas no setor.
De 2009 a 2014 foram os anos dourados, fruto da demanda por infraestrutura e dos eventos da Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. A pré-fabricação se apresentou protagonista, pois carregamos o piano: o pré-fabricado de concreto fez acontecer na hora que foi demandado. Sem ele, os eventos não teriam se realizado no prazo. Ou seja, sempre que a construção civil foi demandada, quer por um desafio econômico ou de prazo, após uma crise ou um ambiente que necessitava de inovação, o pré-fabricado respondeu e atendeu a demanda e se apresentou muito resiliente.
Essa fase trouxe visibilidade para o setor e uma mudança importante: antes se atuava preferencialmente em nichos tradicionais e depois desse momento ampliamos a presença em obras mais complexas.
O que se percebe, portanto, é que após grandes dificuldades, surgem muitas oportunidades para o setor. Levando-se em conta que estamos no momento mais complexo em gerações, com o pós-crise da corrupção da construção civil desvendada pela Lava-Jato, com o pós-pandemia da COVID-19, com a tensão gerada pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia, e às vésperas de uma eleição diferente em termos de segurança jurídica e grande divulgação de fake news, temos que acreditar que, após esse momento, os próximos anos serão de grande estímulo para a industrialização no Brasil; algo nunca visto antes.
O Brasil está fadado a crescer, pelo tamanho de seu território, tamanho da população, riquezas naturais, contexto geopolítico e reconhecida capacidade empreendedora dos seus empresários.
Para o futuro, temos bastante demanda reprimida no nosso país. No mercado imobiliário, em especial movido pelo déficit habitacional, mas também na infraestrutura, onde a evolução da industrialização depende principalmente das questões de isonomia tributária com setores tradicionais da construção, de um melhor financiamento de capital voltado para obras de cronogramas mais curtos e a reorganização da estrutura de mercado nos modelos de licitação de obras públicas e contratação de obras privadas.
Não solucionar esse tripé será um impeditivo para a explosão da industrialização, tanto da pré-fabricação de concreto como de outras soluções off-site. É importante frisar que o limitador das soluções off-site não é a capacitação técnica.
Quais são as prioridades do setor nesta conjuntura?
No que diz respeito aos entraves do setor, continuar a militância no grupo de trabalho pró-industrialização, onde é bem importante a integração institucional dos setores que potencializa toda essa conjuntura. Em outras frentes, com a crise econômica e pandemia, houve um afastamento natural dos associados, por esse motivo é importante resgatar e fortalecer os relacionamentos. Entendo que o momento é de resgate do networking.
Além disso, fizemos um Planejamento Estratégico para o período de 2015 a 2020 e, em função pandemia, entendemos que não era hora de atualizar o plano. Porém, agora, pós-pandemia, vamos avançar nessa agenda para uma visão dos próximos 5 anos, capturando as mudanças sociais e de mercado que a Covid acelerou.
Outro ponto importante é a sustentabilidade e a COP-26, onde muitas metas foram geradas. Por isso, estamos em conjunto com entidades afins nacionais, como o IBRACON, e internacionais, como a fib, trabalhando neste tema.
Por fim, a qualidade, segurança e padronização, que desde o início da ABCIC, têm sido a bandeira que impulsiona o desenvolvimento tecnológico do setor. Não tem desenvolvimento tecnológico se não houver normalização e integração da qualidade, segurança e meio ambiente.
Qual sua avaliação sobre o setor de pré-fabricados de concreto no momento atual?
Nós estamos na moda, mas começamos esse trabalho a 50 ou 60 anos atrás. Então, o momento é muito propício para avançarmos em nichos que não eram atingidos anteriormente, mas também de consolidar as soluções já consagradas junto aos novos entrantes.
Falando sobre eles, precisamos ajudar esses empreendedores a entender nossa língua, homogeneizar vocabulário, desmistificar situações, além de quebrar alguns tabus. Tem muita gente começando agora que precisa ter cuidado para não desconstruir um trabalho sério, de credibilidade técnica, construído ao longo dos anos. Apesar da inovação ser imprescindível para o futuro e a disrupção fundamental na construção civil, sempre defendo que para construir o novo, é preciso conhecer o passado, senão você acaba não sendo eficiente o suficiente, e o gás pode acabar antes de conseguir se estabilizar. O fato é que a tecnologia do setor de pré-fabricados já está muito madura no Brasil e existem vários nichos a serem explorados, mas temos que cuidar para conseguir aumentar o bolo nos mesmos patamares de qualidade técnica, sustentabilidade e normalização que chegamos até aqui.
A invasão da Rússia à Ucrânia já traz repercussões no aumento do preço das commodities e do petróleo e seus derivados. Quais serão os impactos para a construção e para o setor de pré-fabricados de concreto?
É importante lembrar que o setor da construção civil já sentiu os efeitos do aumento de preços e escassez durante a pandemia. No final do ano passado e início deste ano, houve um arrefecimento nos preços dos principais insumos, mas que podem voltar a subir com o conflito. Isso porque os insumos dependem de importação de matéria-prima para os aditivos utilizados na produção de concreto e aço. No caso específico do aço, é possível ver um aumento do preço internacional por ser uma comoditie. Além disso, a Rússia é um dos principais exportadores de petróleo do mundo. Com isso, haverá impacto em todos os seus derivados, elevando os custos com transporte e logística dos insumos e das estruturas produzidas.
E no caso do papel institucional da ABCIC, quais são os principais desafios?
Os objetivos da Abcic estão claramente expressos em nosso estatuto, complementados pelo nosso código de conduta. A ABCIC é indutora do desenvolvimento sustentável do nosso setor em distintas frentes, que englobam a tecnologia e inovação; disseminação do conhecimento e do sistema construtivo que representa; ensino e relacionamento (institucional e governamental).
Creio que o principal desafio está na extensão e abrangência do território nacional e em fazer com que as ações que foram bem estruturadas e consolidadas em seus primeiros 20 anos se expandam em todas as regiões representadas na entidade.
Outro desafio grande e contínuo é concorrer muitas vezes com o pré-moldado produzido em canteiro, sem a expertise da indústria, que por vezes não cumpre os requisitos normativos e deixa um rastro de manifestações patológicas prejudicando a imagem do sistema, quando não provoca acidentes, colocando em risco a integridade da estrutura e dos envolvidos no processo. O sistema é seguro, porém deve atender a todos os requisitos normativos estabelecidos para o projeto, produção e montagem.
Dessa forma, estamos sempre preocupados em disponibilizar ferramentas, que esclareçam o mercado sobre as boas práticas setoriais, como o Manual de Montagem, por exemplo. Ao mesmo tempo, estamos amplamente relacionados com novos temas, como a implementação do BIM (Building Information Modeling) e outras agendas relacionadas à digitalização, novos materiais, como o UHPC (Ultra-High Performance Concrete), e novos requisitos de desempenho e sustentabilidade.
Poderia comentar sobre o reconhecimento que a construção industrializada tem recebido por sua alta capacidade técnica e pela adoção de inovações e tecnologia?
Estamos vivenciando um momento muito peculiar da construção de uma maneira geral, pois o mundo sempre buscou a industrialização após momentos de grandes dificuldades, onde era necessário aquecer a atividade econômica ou reconstruir alguma infraestrutura de maneira rápida, como nos casos pós-guerra. Foi o caso da pandemia que alavancou a construções de hospitais de campanha com a tecnologia off-site, a partir do exemplo do hospital que foi mobilizado em 51 dias na China e chamou a atenção do Brasil e do mundo.
Costumo brincar que nós, do segmento da construção industrializada, estamos nos preparados para virar moda há 50 anos, pois este é um caminho inevitável. Para se ter uma ideia, o consumo de cimento industrial baixou 25% de 2014 a 2020, enquanto, no mesmo período, o share do cimento para pré-moldados cresceu de 8,1% para 12,3%. O fato é que a industrialização da construção civil já é uma realidade e não tem volta, mas esse movimento deve ganhar força pela atual demanda por velocidade na retomada da atividade econômica, maior racionalização da mão de obra, e a busca por construções mais adequadas à agenda ESG (Environmental, Social and Corporate), principalmente no viés da sustentabilidade, em função da baixa geração de resíduo desse tipo de obra.
Outros temas que estão se elucidando por agora são: a facilidade de integração e compatibilidade entre os diversos sistemas off-site, onde no canteiro essas soluções são consideradas “friendly” entre si; e o fato de que a arquitetura contemporânea está cada vez mais enxergando a sinergia com a construção industrializada, encontrando alternativas que componham a questão estética com os benefícios econômicos da industrialização.
Nesse sentido, como o Selo de Excelência ABCIC tem ajudado no desenvolvimento do setor?
Sem dúvida, o Selo de Excelência tem ajudado; ele é fundamental para a evolução do setor. Não é a busca de um atestado de capacidade técnica e, sim, uma maneira de pavimentar o caminho de desenvolvimento tecnológico para novos entrantes. Tem o papel de garantir um padrão mínimo de responsabilidade construtiva, o que remete à alta capacidade técnica que temos no setor.
Temos um desafio importante de democratizar mais o Selo, fazendo os fabricantes e os cliente enxergarem o valor da ferramenta para o futuro das suas indústrias e o desenvolvimento do setor. Certamente, a agenda ESG deve nos permitir avançar na evolução do nível III, onde a declaração ambiental de produto já é uma realidade em mercados internacionais, e eventualmente desenvolver o nível IV, voltado para contribuir no sentido de melhor governança das companhias.
A ABCIC tem participado de diferentes contextos institucionais e governamentais. Como essa atuação contribui para o crescimento da construção industrializada de concreto no país?
A participação ativa da ABCIC é um fato. Temos procurando sempre ocupar espaços, entender os movimentos, avaliar as tendências e potencializar o desenvolvimento, em aliança com outras instituições setoriais e governamentais. Nosso lema ao longo dos anos tem sido “ninguém faz nada sozinho”.
Como já citei anteriormente, temos muitas pautas importantes. Um exemplo é que unidos com outras entidades, através do GT Construção Industrializada, já avançamos muito, sensibilizando e mobilizando o governo para o tema da industrialização e promovendo ações conjuntas; como o recente edital que engloba BIM, coordenação modular e industrialização. No contexto internacional, atuamos junto à Comissão 6 da fib (International Federation for Structural Concrete), que reúne experts de todo o mundo e nos possibilita monitorar tendências internacionais e construir relacionamentos, que têm sido fundamentais para estruturar nossas Missões Técnicas, que nos auxiliam sobremaneira a pensar globalmente e agir localmente.
A ABCIC completou 20 anos de trajetória bem-sucedida. O que esperar para a próxima década?
Sem dúvida existe a expectativa de um crescimento expressivo da industrialização, e com isso temos o papel de fazer a manutenção da atuação que nos trouxe até aqui, porém a associação deve evoluir no mapeamento e qualidade dos dados setoriais, a fim de suportar o associado nas melhores estratégias de crescimento, ajudando-os a surfar essa onda.
Algo que sempre me vem à cabeça é a comoditização da engenharia em alto padrão de qualidade, uma vez que o BIM deve evoluir a passos largos nos próximos 10 anos e nesse cenário os artigos técnicos e as normalizações evoluídas ao longo dos anos devem ficar mais acessíveis a todos, reduzindo o gap desse tema entre empresas mais maduras e os novos entrantes.
Quais aspectos serão reforçados em sua gestão? Qual o legado que pretende deixar para o setor?
Sou o Presidente do Conselho Estratégico mais jovem da história da associação. Portanto, não posso deixar de levantar a bandeira da inovação. Porém, como faço parte da terceira geração de uma das famílias pioneiras na industrialização da construção civil no Brasil, sei da importância de manter a consistência do comportamento ao longo do tempo, atitude que trouxe a ABCIC ao patamar de respeitada entidade do setor da construção e reconhecida por sua capacidade estratégica.
Quanto ao legado, gostaria que, ao final da gestão, os fabricantes fossem mais bem reconhecidos pelo mercado, como protagonistas da disrupção da construção convencional, e não apenas como empreiteiros de concreto das obras. Entendo que, muitas vezes, aplicamos o que de melhor existe da engenharia estrutural mundial nas nossas obras nacionais, resolvemos problemas complexos e relevantes, mas por uma questão de estrutura de mercado, somos esmagados por custo e, portanto, não somos devidamente valorizados.
Poderia deixar uma mensagem aos associados, lembrando que a entidade, desde sua fundação, vem contribuindo para a evolução do setor?
Aos associados, desejo que continuem resilientes nesses últimos momentos da maior crise da construção civil que esse país já enfrentou. Peço que nos ajudem a reaquecer aquele espírito construtivo em prol do setor, que por anos fomentou a industrialização e resultou no cenário que temos pela frente. É preciso plantar para colher.
Sugiro que todos participem ativamente dos eventos setoriais para estarem mais próximos da gestão e, assim, conseguirem ser os multiplicadores das nossas ações frente aos clientes, fornecedores, influenciadores e novos entrantes, para juntos construirmos um Brasil com mais oportunidades e responsabilidade social.
Felipe Cassol
Presidente do Conselho Estratégico da ABCIC
Cassol Pré-Fabricados
Confira a edição completa da Revista Industrializar em Concreto 25 no site oficial: http://www.industrializaremconcreto.com.br/