Um grande desafio enfrentado pela indústria global do cimento é a redução das emissões de carbono. Embora algumas alternativas já estejam em curso, outras ainda precisam ser criadas ou colocadas em prática para que se atinja a condição net zero até 2050. Esse tema foi abordado na palestra “Tendências mundiais e seus impactos na construção e no cimento”, ministrada por Arnaud Pinatel, sócio da On Field Investment Research, durante o 8º Congresso Brasileiro do Cimento.
“Excluindo a China, onde se prevê um declínio estrutural, a expectativa é que a maior parte do crescimento da demanda por concreto a médio prazo provenha da África, Índia, e o restante da Ásia e América Latina. Nessas regiões, a demografia impulsiona a urbanização e as necessidades de infraestrutura. Nas Américas, antecipa-se um crescimento moderado impulsionado pela demografia e pela necessidade de atualizar uma infraestrutura envelhecida. Prevê-se uma pequena queda na demanda na Europa à medida que materiais mais ecológicos corroerão a participação de mercado do concreto. O crescimento a longo prazo resultaria em mais emissões se nenhuma ação fosse implementada para reduzi-las. As preocupações relacionadas às mudanças climáticas globais estão colocando um foco crescente na sustentabilidade”, afirma Pinatel.
Dentro desse contexto, como promover a redução das emissões de CO2? Pinatel propõe as seguintes medidas:
1) Precificação do CO2: A precificação do CO2 é um mecanismo-chave para reduzir a poluição por gases de efeito estufa e direcionar investimentos para a transição para energia limpa e sustentabilidade. Pinatel destaca que, para desencadear mudanças sustentáveis, o preço do carbono precisa atingir US$ 75 por tonelada. A indústria do cimento é particularmente sensível a isso, pois o custo adicional de um preço de CO2 de US$ 75 por tonelada poderia mais que dobrar o custo de produção em muitas áreas;
2) Esforços de toda a cadeia: O Protocolo de Gases de Efeito Estufa categoriza as emissões em três escopos. O primeiro inclui emissões diretas de fontes próprias, o segundo refere-se a emissões indiretas de energia adquirida e o terceiro abrange todas as emissões indiretas não incluídas no segundo escopo, que ocorrem na cadeia de valor. “No entanto, as empresas de construção podem desencadear ações (ou seja, limitar os produtores de cimento a agir) à medida que o terceiro escopo delas concentra a maior parte da pegada de carbono construída. Ao mesmo tempo, arquitetos e construtores podem impor critérios cada vez mais sustentáveis em seus contratos”, propõe Pinatel;
3) Financiamento: Para alcançar a neutralidade de carbono até 2050, a indústria precisa de financiamento antes da implementação do intensivo em Capex “Captura e Armazenamento de Carbono-Uso” (CCS-U). Investimentos em tecnologias inovadoras, como a CCS-U, são cruciais para atingir a meta de 2050, e o acesso ao capital é vital. Metas para 2030 estão impondo pressão significativa na indústria do cimento.
Na Europa, o acesso ao capital é desafiado pela “Revolução da Taxonomia” e pela crescente importância das classificações ESG. “A UE apresentou critérios (kg/t de CO2) para determinar quais atividades podem ser consideradas sustentáveis. Empresas com as melhores pontuações terão acesso aprimorado a capital próprio e dívida de investidores da UE, resultando em benefícios como custos de financiamento mais baixos para títulos verdes e múltiplos de valoração mais altos. As empresas devem divulgar a porcentagem de suas vendas e capex (CAPital EXpenditure, que pode ser definida como Despesas de Capital ou Investimentos em Bens de Capitais) alinhadas aos critérios da taxonomia (enquanto os gestores de fundos revelarão a porcentagem de seus ativos sob gestão alinhada com os mesmos critérios). As empresas de cimento têm preocupações devido às reações químicas da calcinação. Os mercados de capitais dos EUA também estão considerando dar mais importância às classificações ESG”, aponta Pinatel;
4) Inovação: Alternativas ao clínquer, como biomassa, combustíveis alternativos e energia eólica e solar já são utilizadas. A substituição de matérias-primas por resíduos de demolição de concreto e tecnologias avançadas de captura e utilização de CCS-CCU são passos subsequentes. Quanto aos produtos, alternativas como recarbonatação e uso de agregados reciclados já estão em uso, enquanto a perspectiva futura inclui o uso de ligantes alternativos e fibras isolantes;
5) Concreto verde e inteligente: A combinação de clínquer descarbonizado, resíduos reciclados, e elementos cimentícios resulta em cimento de baixo carbono, proporcionando uma mistura otimizada que inclui agregados reciclados, água recuperada e aditivos químicos de valor agregado. Esse concreto verde é comercializado a preços premium;
6) Valorização de emissões e resíduos: Transformar as emissões de CO2 e resíduos de demolição em ativos valiosos é uma oportunidade. Apesar de não ser possível produzir clínquer sem emitir CO2, esse CO2 pode ser utilizado em vários processos industriais. Um dos usos mais promissores é a produção de hidrogênio/metanol e mineralização de resíduos de demolição de construção;
7) Cooperação com governos: Uma transição bem-sucedida requer um arcabouço regulatório favorável. Quatro áreas críticas foram identificadas, incluindo licenciamento para materiais cimentícios suplementares, financiamento público para CCS-U, novos padrões para cimento/concreto verde e proteção contra vazamento de carbono.
Para Pinatel, as empresas devem ser proativas na definição do roteiro da indústria e cooperar com os governos para garantir que novas regulamentações permitam uma transição lucrativa para indústrias de cimento com zero carbono em todo o mundo. “A transformação também está começando a ser impulsionada por clientes que solicitam produtos mais verdes, e os pioneiros em soluções de baixo carbono provavelmente ganharão uma vantagem competitiva quando regulamentações mais leves forem impostas”, afirma.
Os primeiros adotantes de soluções de baixo carbono têm a oportunidade de obter uma vantagem competitiva quando regulamentações mais rigorosas entram em vigor. “As entidades que já possuem essa cultura fornecerão clínquer descarbonizado, gerenciarão materiais cimentícios suplementares acessíveis e terão a capacidade de comercializar cimento e concreto verde com margens premium. Essas entidades desfrutarão de uma vantagem de custo, tornando-as mais lucrativas, e de uma pegada de carbono reduzida, tornando-as mais atrativas para os investidores”, defende Pinatel.
8) Circularidade: A economia circular é uma oportunidade clara para aproveitar. “Ela permitirá que a indústria passe da poluição para soluções e do volume para o valor. Uma visão que concilia sustentabilidade com lucratividade é a melhor garantia para ação climática”, informa Pinatel.
Desafios brasileiros
O Brasil enfrenta a necessidade de concreto e cimento para atender à demanda de infraestrutura, mas busca reduzir as emissões de CO2. Para Pinatel, a indústria brasileira de cimento, embora líder em sustentabilidade na América Latina, enfrenta desafios financeiros, obstáculos para a obtenção de materiais alternativos e dificuldades para obter financiamento para tecnologias de redução de carbono. “O sucesso da transição para zero carbono depende de um arcabouço regulatório favorável, promoção de práticas sustentáveis e colaboração entre indústrias. Medidas como a implementação de um sistema de comércio de emissões, estímulo à economia circular e apoio à inovação são cruciais para acelerar essa transição”, opina.
Matéria publicada no Massa Cinzenta