A construção modular deverá ganhar novo impulso neste ano, com ações como a atualização de sua norma técnica (NBR 15.873/2010). Entretanto, para sua adoção em larga escala pela indústria da construção, ainda deverão ser superados obstáculos, tais como a tributação onerosa e a reeducação da cadeia produtiva para a produção de elementos padronizados que tragam a produtividade requerida.
Este foi o teor da apresentação de Daniela Dietz Viana e Dóris Zechmeister Bragança Weinmann, professoras da UFRGS, feita na reunião do Grupo de Trabalho (GT) de Produtividade do CTQ (Comitê de Tecnologia e Qualidade) do SindusCon-SP, conduzida por Paulo Aridan, coordenador do grupo.
O encontro contou com as participações de Francisco Antunes de Vasconcellos Neto e Jorge Batlouni, vice-presidentes do SindusCon-SP, e do consultor Sergio Scheer, que coordenou a elaboração da meta de incentivo à coordenação modular do Projeto Construa Brasil do governo federal.
Daniela e Dóris apresentaram o estudo que desenvolveram para a Meta 8 do Construa Brasil, iniciado na gestão anterior do governo federal e que agora deverá ser retomado. O estudo delas propôs diretrizes para desenvolver e refinar os regulamentos técnicos que incentivam o uso da modularidade e da coordenação modular, a fim de possibilitar que sejam ensinadas na academia e aplicadas pela cadeia produtiva da construção.
Aplicação com flexibilidade
As professoras definiram a coordenação modular como a ordenação dos espaços na construção civil, visando à compatibilidade dimensional entre componentes, elementos e sistemas construtivos, provenientes de diferentes fabricantes. Para a coordenação dimensional, emprega-se no Brasil módulo básico (10 cm) ou o multimódulo (n x 10 cm), com interrelação de medidas desses componentes, elementos e sistemas e das edificações que os incorporam, em projeto, fabricação e montagem.
Elas mostraram que as aplicações podem ser flexíveis. Um mesmo projeto pode conter: elementos de estrutura e fechamento modularizados; elementos customizáveis, como diferentes cores de painéis e telhas, diversas esquadrias, revestimentos de pisos e luminárias; e elementos personalizados, como portas.
Para se desenvolver os projetos, é essencial a utilização de plataformas que possibilitem encontrar o equilíbrio entre todos esses elementos, dentro das necessidades de viabilidade e de se atender à normalização, principalmente os requisitos da Norma de Desempenho. As plataformas são conjuntos de componentes e/ou elementos padronizados utilizados de forma comum entre diversos projetos, em produtos variados ou em uma família de produtos.
Com isso, será possível alcançar os objetivos de redução de custos de fabricação e instalação, diminuição de perdas e desperdícios, promoção da industrialização aberta com trabalho em BIM (Modelagem da Informação da Construção), aumentando a competitividade da construção. Além do BIM, utilizam-se design paramétrico, design generativo e configuradores.
Três sistemas
De acordo com Daniela e Dóris, os instrumentos da coordenação modular são: sistema de referência, para alocar no espaço físico e virtual os elementos construtivos; o sistema modular de medidas, que se desdobra em quadriculados estrutural, modular e de projeto, e nos subprodutos; o sistema de ajustes e tolerâncias necessários a um componente, elemento ou sistema, incluídas folgas para deformações e instalação, tolerâncias e materiais de união; e o sistema de números preferenciais, com os múltiplos preferidos pela indústria, como por exemplo 60 cm, 120 cm e 240 cm, utilizados nas esquadrias de alumínio.
Na revisão da norma técnica, pretendem-se incorporar novos termos, melhorar a representação gráfica para facilitar a compreensão dos projetistas e favorecer o diálogo entre estes e os fabricantes. Como embasamento, serão utilizadas as normas ISO, recentemente revistas. As diretrizes resultantes permitirão flexibilidade.
As professoras apresentaram um case da Visia Construção Modular, com a fabricação industrializada de casas com modularização de laje de concreto no piso, chassis metálico de aço galvanizado, pilares e cobertura em telhas trapezoidais e fechamento em painéis stud-frame em concreto reforçado com fibra de vidro (GRC). Como elementos customizáveis, figuram luminárias, cores do painel, das telhas e das esquadrias, e o revestimento do piso; e itens personalizados, como a porta que o cliente deseja.
Dóris destacou que as mudanças podem ser introduzidas por etapas, reeducando a cadeia produtiva para a produção de elementos padronizados que tragam a produtividade requerida. Alguns sistemas importados já trazem os números preferenciais com eles. Mas, segundo ela, é preciso haver incentivo para que lajes alveolares sejam moduladas em múltiplos de 10. A indústria de esquadrias teria grande interesse, para não precisar ir nas obras e ficar medindo os vãos. Já as chapas de drywall têm módulos de 1,25 comentou.
A professora alertou que às vezes os problemas são de tolerância. Portanto, os projetos precisam ser bem elaborados e a mão de obra, bem treinada. Na próxima fase do Construa Brasil, a ideia é articular-se com as indústrias para trabalhar a questão das tolerâncias. Já as construtoras estão mais maduras para aceitar, acrescentou, em função do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Perspectiva otimista
Nos debates que se seguiram, Vasconcellos destacou a boa iniciativa do Projeto Construa Brasil e se disse otimista quanto à nova norma técnica oferecer uma estruturação da coordenação modular para todo o país. “Vamos ter problemas, mas temos que dar esse passo e teremos gente competente estruturando a norma. Não vejo possibilidade, mesmo resolvendo o problema da tributação, de desenvolvermos a industrialização da construção sem uma base de estruturação modular. Essa base impulsionará a indústria a colocar seus produtos dentro da modularidade. Vamos em frente. Muitos arquitetos trabalham fortemente com modularidade e demonstram que ela não vai cercear a boa arquitetura”, afirmou.
Jorge Batlouni lembrou da atuação do CTQ na elaboração da norma e do manual de esquadrias, que considerou um avanço lançado antes do tempo para sua maturação.
André Aranha, membro do CTQ, destacou que a importância da superação da barreira tributária e a necessidade de se integrar as fases de projeto e construção.
Dóris lembrou que os contratos relacionais envolvendo as construtoras na fase de projeto são essenciais. Elogiou o evento realizado em 2022 por SindusCon-SP e AsBEA-SP (Regional São Paulo da Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura), em favor da industrialização da construção. E informou que a questão da tributação foi bem trabalhada na Meta 9 do Construa Brasil e estaria em vias de se viabilizar.
Paulo Aridan afirmou que pretende divulgar o case de construção industrializada da estação brasileira na Antártida. E o professor Scheer informou que os resultados da primeira fase do Programa Construa Brasil estão prestes a ser liberados.
Matéria publicada no Sinduscon-S