A produção global de cimento é responsável por 7% das emissões anuais de gases de efeito estufa, em grande parte devido à queima de calcário. Agora, uma equipe de pesquisa liderada pela Universidade da Califórnia, em Boulder, nos Estados Unidos, descobriu uma maneira de tornar essa indústria neutra — e até mesmo negativa — em carbono. O segredo é retirar o CO2 do ar com a ajuda de microalgas.
Trabalhando em parceria com a Universidade da Carolina do Norte, em Wilmington, e com o Laboratório Nacional de Energias Renováveis, os engenheiros receberam US$ 3,2 milhões do Departamento de Energia dos Estados Unidos em um programa para desenvolver e ampliar a fabricação de cimento Portland à base de calcário biogênico e ajudar a construir um futuro de carbono zero.
“Para a indústria, agora é a hora de resolver esse problema muito perverso. Acreditamos que temos uma das melhores soluções, se não a melhor, para a indústria de cimento e concreto resolver seu problema de carbono”, diz Wil Srubar, pesquisador principal do projeto e professor da UC Boulder.
O concreto é um dos materiais mais onipresentes do planeta, um elemento básico da construção em todo o mundo. Começa como uma mistura de água e cimento Portland, o tipo mais comum, que forma uma pasta, à qual são adicionados materiais como areia, cascalho ou brita. Ela une os agregados e a composição endurece em forma de concreto.
Para fazer o cimento Portland, o calcário é extraído de grandes pedreiras e queimado a altas temperaturas, liberando grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). A equipe de pesquisa descobriu que a substituição desse material por um tipo de calcário cultivado biologicamente — um processo natural que algumas espécies de microalgas calcárias executam por meio da fotossíntese (assim como o cultivo de recifes de coral) — consegue neutralizar o carbono. Em suma, o CO2 liberado na atmosfera equivale ao que a microalga já capturou.
O calcário moído também é frequentemente usado como material de enchimento no cimento Portland, geralmente substituindo 15% da mistura. Ao usar calcário biogênico em vez do extraído nessa função, o produto pode se tornar não apenas neutro, mas também negativo em carbono, retirando CO2 da atmosfera e o armazenando permanentemente no concreto.
Se todas as construções à base de cimento ao redor do planeta fossem substituídas por cimento de calcário biogênico, a cada ano, 2 gigatoneladas de dióxido de carbono não seriam mais bombeadas para a atmosfera e mais de 250 milhões de toneladas adicionais seriam retiradas e armazenados nesses materiais, disseram os autores. Isso, teoricamente, poderia acontecer da noite para o dia, pois o calcário biogênico é compatível com processos modernos de produção de cimento, segundo Srubar. “Temos as ferramentas e a tecnologia para curar o planeta hoje.”
Tempo real
Srubar, que lidera o Laboratório de Materiais Vivos da UC Boulder, recebeu um prêmio da Fundação Nacional de Ciências dos EUA em 2020 para explorar como cultivar partículas de calcário usando microalgas e, assim, produzir concreto com benefícios ambientais positivos. A ideia veio a ele enquanto mergulhava em sua lua de mel na Tailândia, em 2017.
Na ocasião, ele pôde observar, nos recifes de coral, como a natureza cria as próprias estruturas duráveis a partir de carbonato de cálcio, um componente principal do calcário. “Se a natureza pode cultivar calcário, por que nós não podemos?”, questionou. “Havia muita clareza no que eu tinha que buscar naquele momento. E tudo o que fiz desde então foi realmente com esse objetivo”, conta Subar.
O engenheiro e sua equipe começaram a cultivar cocolitóforos, microalgas brancas turvas que sequestram e armazenam dióxido de carbono na forma mineral por meio da fotossíntese. A única diferença entre o calcário e o que esses organismos criam em tempo real são alguns milhões de anos.
Com apenas luz solar, água do mar e dióxido de carbono dissolvido, esses minúsculos organismos produzem as maiores quantidades de carbonato de cálcio do planeta, e em um ritmo mais rápido do que os recifes de coral. Juntos, os cocolitóforos mundiais são tão grandes que podem ser vistos do espaço. “Na superfície, eles criam essas belas e intrincadas conchas de carbonato de cálcio. É basicamente uma armadura de calcário que envolve as células”, define Srubar.
Cultivo em qualquer lugar
As microalgas são pequenas criaturas resistentes que vivem em águas quentes e frias, salgadas e doces em todo o mundo, tornando-as grandes candidatas para cultivo em quase qualquer lugar — nas cidades, em terra ou no mar. De acordo com as estimativas da equipe da Universidade da Califórnia (UC), em Boulder, apenas 1 a 2 milhões de acres de lagoas abertas seriam necessários para produzir todo o cimento de que os Estados Unidos, o maior produtor mundial, precisam. Essa área corresponde a 0,5% de toda a superfície terrestre norte-americana e apenas 1% da usada para cultivar milho.
E o calcário não é o único produto que as microalgas podem criar: os lipídios, proteínas, açúcares e carboidratos desses pequenos seres vivos podem ser usados para produzir biocombustíveis, alimentos e cosméticos. Isso significa que eles também podem ser uma fonte de outros coprodutos mais caros — ajudando a compensar os custos de produção de calcário.
Para criar os coprodutos a partir da biomassa de algas e aumentar a produção de calcário o mais rápido possível, os pesquisadores norte-americanos estão selecionando cepas e estudando a otimização do crescimento das microalgas. Há empresas interessadas em comprar esses materiais, e o calcário já está disponível em quantidades limitadas, disseram os engenheiros da UC Boulder. “O ritmo atual de construção global é impressionante, a caminho de construir uma nova cidade de Nova York todos os meses pelos próximos 40 anos”, diz Srubar.
Para o engenheiro, esse crescimento global não é apenas uma oportunidade para converter edifícios em sumidouros de carbono, mas para limpar a indústria da construção. Ele espera que a substituição do calcário extraído por uma versão caseira também possa melhorar a qualidade do ar, reduzir os danos ambientais e aumentar o acesso equitativo aos materiais de construção em todo o mundo.
“Fazemos mais concreto do que qualquer outro material do planeta, e isso significa que ele toca a vida de todos”, disse Srubar. “É muito importante lembrarmos que esse material deve ser acessível e fácil de produzir, e os benefícios devem ser compartilhados em escala global.”
Matéria publicada na Abrainc