Associação Brasileira da Construção

Industrializada de Concreto

Concreto que fixa carbono: inovação pode transformar resíduos da construção em aliados contra mudanças climáticas

Transformar resíduos de concreto em materiais de alto desempenho, enquanto se captura e armazena carbono, deixou de ser apenas uma possibilidade teórica. Uma pesquisa conduzida pelo engenheiro civil e doutorando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Victor Saldanha Cassel, avaliou o uso de dióxido de carbono (CO₂) no tratamento de agregados graúdos reciclados de concreto, aplicando a tecnologia CCUS (Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono).

“O objetivo foi avaliar como o tratamento com CO₂ impacta nas propriedades físicas e microestruturais do material, além de medir o potencial de fixação do gás na matriz cimentícia”, explica Cassel. Em ambiente controlado, com alta concentração de CO₂, as partículas recicladas foram expostas por 24 horas ao processo de carbonatação acelerada.

Resultados: mais qualidade e menos emissões

Os ensaios mostraram que os agregados reciclados de concreto apresentaram um potencial de fixação de CO2 entre 9 e 13 kg por tonelada de material, além de melhorias na massa específica, microdureza, menor absorção de água e porosidade reduzida.

O pesquisador afirma que, quanto maior a quantidade de CO₂ fixado, melhor foi a qualidade do agregado. “Observamos aumento da densidade, maior resistência e menor absorção de água, o que abre espaço para um uso mais amplo desse material na construção”, revela.

No cenário nacional, a pesquisa estima que, com aumento do índice de reciclagem e carbonatação completa, seria possível capturar em média 39,5 mil toneladas de CO₂ por ano. “Essa é uma oportunidade de alinhar o setor da construção às metas globais de neutralização de carbono, ao mesmo tempo em que se aproveitam resíduos que hoje têm destinação limitada”, destaca Cassel.

Essa estratégia não apenas valoriza resíduos da construção e demolição (RCD), mas também abre portas para geração de créditos de carbono, agregando viabilidade econômica à prática.

Benefícios para a construção e para o planeta

A tecnologia pode representar uma dupla vantagem: amplia o uso de agregados reciclados, reduzindo a necessidade de extração de recursos naturais, e contribui para as metas globais de neutralização das emissões até 2050. “É um caminho para viabilizar tecnicamente o uso em maior escala desses agregados e ainda contribuir para reduzir as emissões de CO₂ da indústria da construção”, resume o engenheiro.

A transição do laboratório para a escala industrial exigirá ajustes, como definição da etapa ideal para aplicação do tratamento e otimização de parâmetros ambientais para maximizar a fixação de CO₂ em menos tempo. “O desafio agora é entender como aplicar essa tecnologia em larga escala sem gerar impactos ambientais adicionais e com custo viável para as empresas”, observa. Além disso, estudos futuros deverão avaliar o desempenho mecânico e a durabilidade de concretos produzidos com esses agregados tratados, fortalecendo a aplicação em obras reais.

Economia circular na prática

De acordo com a Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (ABRECON), o Brasil gera anualmente cerca de 107 milhões de toneladas de RCD, mas apenas 17% desse volume é reciclado.

O uso de CO2 para o tratamento de agregados reciclados representa um caminho concreto para impulsionar a economia circular na construção civil, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados a consumo responsável e ação climática.

A pesquisa evidencia que, quando ciência e engenharia se encontram, o concreto não é apenas um material estrutural, mas pode ser também um aliado no combate às mudanças climáticas.

Matéria publicada no Massa Cinzenta
 

Nós usamos cookies para compreender o que o visitante do site da Abcic precisa e melhorar sua experiência como usuário. Ao clicar em “Aceitar” você estará de acordo com o uso desses cookies. Saiba mais!