Antes mesmo das histórias de Julio Verne e H.G. Wells, os financistas já haviam criado a máquina do tempo. Ela é a taxa de juros. Para convencer alguém a abrir mão de um valor de ganho imediato é possível dizer que, capitalizado, o mesmo valor será maior daqui a alguns meses. Ao mesmo tempo, pode-se pagar uma dívida que venceria no futuro imediatamente, mas, para isso, é preciso “trazê-la a valor presente”, o que a torna nominalmente menor ao “viajar” do futuro para o agora.
Mas existe outro sentido para a vinculação entre juros e futuro: os juros futuros. O motivo é simples. Contratos são assinados no presente, mas os fluxos de pagamentos se desdobram no tempo. Portanto, a taxa de juros corrente não é o melhor guia para balizar financiamentos, inclusive – e sobretudo – os imobiliários, com seus longos prazos de vigência. É verdade que juros futuros são, de certa forma, uma “aposta” sobre o comportamento dos juros correntes ao longo dos contratos. Mas a palavra mais correta seria uma “expectativa”. E, na atualidade, as expectativas sobre o futuro dos juros apontam com grande probabilidade para altas contínuas nas taxas correntes, sobretudo em função da aceleração preocupante da inflação.
Desde o final de outubro, as taxas de juros futuras com vencimento a partir de janeiro de 2023 atingiram a marca de dois dígitos. Em grande medida, isso se deve à percepção de que a chamada “licença para gastar”, isto é, a ruptura do compromisso do governo Federal com o teto de gastos, irá ampliar as pressões inflacionárias em 2022 antes mesmo que as causas atuais como o câmbio muito elevado se dissipem.
Do ponto de vista fiscal, a alta de juros tende a gerar um looping perigoso: o ritmo mais lento da atividade econômica reduz a arrecadação tributária ao mesmo tempo em que as despesas com a dívida pública aumentam. Isso demonstra quão contraditório é romper o teto de gastos.
A melhor prática em momentos de alta de juros, justificada pelo combate à inflação, é a geração de superávits primários robustos que compensem o crescimento das despesas financeiras. Em que pese a aprovação em primeira votação na Câmara da PEC dos precatórios, as incertezas persistem e a curva de juros futuros também incorpora expressivo prêmio de risco. E a consequente elevação dos juros dos financiamentos imobiliários é a porta de entrada dos efeitos desse delicado cenário macroeconômico no setor da construção civil.
Em resumo, os juros futuros estão trazendo para o presente a alta mais que provável dos juros correntes que deverá ocorrer nos anos à frente. É o futuro cobrando seu preço por meio da máquina do tempo criada pelos financistas.
Leia a íntegra da análise elaborada pelo FGV/Ibre para o SindusCon-SP aqui.
Matéria publicada no Sinduscon-SP