Inflação em queda, PIB crescendo acima das expectativas de meses atrás, câmbio relativamente estável e superávit primário. Tudo isso acontecendo nos primeiros meses do segundo semestre deste ano no Brasil. Um conjunto invejável de variáveis econômicas que a quase totalidade dos analistas não previa no início de 2022. Bastaria um olhar rápido – e, talvez, um pouco zombeteiro – para a Argentina constatar que nossa situação atual é, de certa forma invejável.
Mas, assim como a turbulência do início do ano impediu uma visão mais clara da dinâmica que se seguiria, a calmaria atual também pode ser ilusória ou, melhor ainda, ser apenas isso: uma calmaria. Do ponto de vista inflacionário, sabe-se que a reversão dos índices e as deflações pontuais nos preços ao consumidor foram provocadas por ações emergenciais de desoneração dos combustíveis.
Enquanto isso, a inflação de alimentos acumulada em doze meses persiste na casa dos dois dígitos. É certo que a queda das commodities, principalmente as não energéticas, contribuiu. Mas a decisão da OPEP, anunciada há poucos dias, de cortar a produção de petróleo para evitar maiores quedas nos preços e o prolongamento da guerra Rússia-Ucrânia não permitem traçar um cenário otimista para a inflação mundial nos próximos meses.
A consequência dessa pressão sobre os preços é que o ciclo de alta de juros que se encerrou não deverá ser revertido tão cedo. A expectativa mais conservadora é atravessarmos todo o ano de 2023 com a Selic no pico atual, enquanto os juros nos EUA sobe progressivamente. E este último movimento, por sua vez, tende a reduzir o apetite dos capitais de curto prazo por mercados emergentes como o brasileiro, mantendo o dólar acima de R$ 5, o que também não contribui para a queda da inflação.
Mas a grande fragilidade que está no horizonte de análise se refere ao campo fiscal. Os gastos já previstos para o próximo ano, incluindo as despesas com juros, estão fazendo crescer as dúvidas quanto ao equilíbrio fiscal de longo prazo. E a maior percepção de risco pode se tornar mais um fator a impedir a queda da Selic, caracterizando a chamada “Dominância Fiscal”, um mix de política econômica no qual a condução da política monetária é limitada pelas necessidades de financiamento do Tesouro.
Some-se a isso a crescente desestruturação da institucionalidade orçamentária. Em outros termos, práticas como a do “orçamento secreto” comprometem a transparência e a própria gestão dos gastos públicos, acentuando a incerteza e os prêmios de risco exigidos pelos compradores de títulos do governo. Estima-se que cerca de 40% dos gastos discricionários do orçamento federal para 2023 esteja fora do controle do Executivo por conta das ditas “emenda do relator”. Em 2019, esse indicador era de 10%.
Todos esses elementos, do corte na produção de petróleo ao engessamento do orçamento federal, são fatos, não expectativas ou especulações. Todos estão às portas ou simplesmente já ocorreram. E, diante deles, é necessário moderar o otimismo que a calmaria atual promoveu em alguns agentes, redobrando a cautela no que se refere às expectativas para o próximo ano. Em certo sentido, é possível dizer que, depois da bonança, recomeça a tempestade. E isso independe, em absoluto, do resultado do segundo turno das eleições presidenciais.
Matéria publicada no Sinduscon-SP