Depois de apresentar ligeira deflação em agosto, o IPCA voltou ao campo positivo em setembro. Segundo dados do IBGE, o indicador teve alta de 0,44% no mês passado. Com isso, a variação acumulada no ano chegou a 3,31% e, nos últimos doze meses, a 4,42%, acima dos 4,24% observados nos doze meses imediatamente anteriores.
Alimentos e energia, dois grupos tipicamente voláteis, contribuíram diretamente para essa virada do IPCA. Pressionados pela crise climática, a variação dos preços do grupo alimentação passou de -0,44% para 0,5% entre agosto e setembro. No caso do grupo habitação, a virada foi ainda mais expressiva. A variação nos preços desse grupo passou de -0,51% para 1,8% na mesma base de comparação. E, mais uma vez, a causa-raiz foi a crise climática que levou à adoção da bandeira tarifária vermelha. Isoladamente, o item energia elétrica residencial registrou alta de 5,36% em setembro contra queda de 2,77% no mês anterior.
Juntos, esses dois grupos foram responsáveis por nada menos do que 86% da variação total do IPCA em setembro. Excluídas as variações de alimentos e energia, o IPCA teria registrado alta de apenas 0,06% no mês passado.
Esse cenário reforça a leitura recente feita pelo Banco Central e expressa tanto na última ata do COPOM quanto na edição mais recente do Relatório de Inflação. Na perspectiva do Bacen, não se deve esperar a convergência do IPCA para o centro da meta (3%) no horizonte de projeção que vai até 2025, pelo menos.
Essa leitura é confirmada pelo mercado. Segundo a edição de 4 de outubro do Relatório Focus, a expectativa de alta do IPCA para 2024 era de 4,38%, ligeiramente acima da projeção feita quatro semanas antes (4,3%). Para 2025, as expectativas do mercado são de 3,97%, ligeiramente mais baixa do que o esperado para este ano, mas ainda acima do centro da meta.
Vale destacar que tanto as projeções do Bacen no Relatório de Inflação quanto do mercado, contidas no Focus, incorporam os efeitos do ciclo de alta de juros que teve início na última reunião do COPOM. Isso significa que a inflação é vista como um “sintoma resistente à medicação”, ou seja, deve se manter acima do centro da meta a despeito da alta da Selic.
Também é consenso entre os analistas que a principal causa dessa resistência é o hiato do produto, ou seja, um ritmo de crescimento da demanda acima do potencial produtivo da economia. No curto prazo, o receituário padrão sugere a alta de juros a fim de frear a demanda, especialmente o consumo. Mas, a longo prazo, a fim de conciliar crescimento e controle inflacionário, é necessário elevar a taxa de investimento e a produtividade. E, a despeito de um desempenho recente da formação bruta de capital, esse indicador permanece baixo, pouco aquém de 17% do PIB.
Até que o chamado “lado da oferta” deixe de patinar em torno de níveis tão modestos de taxa de investimento, todo crescimento ligeiramente mais acelerado será inflacionário. Uma contradição incômoda: mais demanda e mais empregos são indesejáveis do ponto de vista do controle inflacionário.
Matéria publicada no Sinduscon-SP