Todo ano, a gente sabe que as fortes chuvas no Brasil vão provocar enchentes em determinados locais do país, com destruição de casas, mortes e deslizamento de terras. Por outro lado, há tragédias pontuais em edifícios e obras públicas que também se tornaram de certo modo previsíveis, tendo em vista o conhecimento técnico atual e a experiência em casos similares.
De acordo com o engenheiro civil Paulo Helene, diretor-presidente do Ibracon (Instituto Brasileiro do Concreto), dezenas de desastres como esses “poderiam ser evitados pela própria engenharia”, sem depender da iniciativa do poder público.
Em um editorial sobre o tema, publicado na revista “Concreto & Construções”, o profissional afirmou que “a arquitetura, a engenharia e a geologia sabem, hoje, muito mais do que há alguns anos” e que aprenderam a duras penas, muitas vezes com calamidades. “Atualmente, é inadmissível que estruturas e edifícios colapsem por sismos, por incêndios, por ventos moderados e furacões, porque aprendemos e incorporamos o conhecimento de forma democrática, consensual e abrangente disponibilizando-o nas normas técnicas e nas práticas recomendadas.”
Paulo Helene cita o terremoto de magnitude 7,6 ocorrido na Turquia e na Síria em fevereiro deste ano, considerado “o pior desastre natural num século na Europa” pela Organização Mundial de Saúde. Foram mais de 50 mil mortos, com 214 mil edifícios destruídos. “Não há como evitar que a natureza se manifeste, através de sismos, furacões, maremotos, entre outros” diz. “Para nos proteger, existe a Engenharia Civil, que tem a responsabilidade e o dever de dominar as forças da natureza, protegendo e dando qualidade de vida aos povos a quem serve. Vários edifícios permaneceram de pé, enquanto outros, vizinhos, colapsaram.”
Para saber mais sobre a responsabilidade dos engenheiros nesse processo de prevenção de tragédias, tanto no Brasil quanto no mundo, conversamos com Paulo Helene, do Ibracon.
1) Quais tragédias ocorridas recentemente no Brasil mostram a importância de um bom planejamento da engenharia civil para se evitar estragos e mortes?
Paulo Helene – As maiores tragédias estão relacionadas com escorregamentos de encostas e enchentes. Envolvem principalmente os arquitetos urbanistas, os geólogos, os geotécnicos e as Prefeituras. É um tema complexo para o qual tenho pouco a contribuir.
Tragédias em edifícios tais como Palace II, no Rio de Janeiro, o Paes de Almeida, em São Paulo, e o Areia Branca, em Pernambuco, e poderia citar uma dezena mais, assim como tragédias em obras de arte como a ciclovia do Rio de Janeiro e o viaduto dos Guararapes em Minas Gerais, e também outras dezenas mais, poderiam ser evitadas pela própria engenharia e não dependem do poder público. Temos de fazer mea culpa e procurar exercer a profissão com mais competência e dedicação.
2) Em sua opinião, além de colocar em prática os conhecimentos da engenharia civil em novas construções, também há a necessidade de se refazer casas e obras que estiverem em risco?
Paulo Helene – Sim, pois o conhecimento evolui, até mesmo pressionado por acidentes, e esse aprendizado vai sendo naturalmente incorporado às novas normas, códigos municipais e até nas práticas de bem construir. Então, edificações, obras de arte e estruturas em geral podem acabar ficando em risco hoje, porque, na época de sua construção, 30, 40, 60 anos atrás ou mais, aquele conhecimento ainda não era consensuado, nem obrigatório.
É o caso da prevenção contra incêndio, por exemplo. A maioria dos edifícios de São Paulo não têm portas corta-fogo, só para dar um exemplo fácil de entender e vislumbrar. Mas ocorre também em situações importantes, mas não tão evidentes, como pilares, estabilidade geral, ventos e até sismos cuja norma é bem recente.
3) Com o aprendizado acumulado até hoje, a partir dessas tragédias diversas ocorridas no Brasil e no mundo, pode-se dizer que a engenharia civil, atualmente, conseguiria evitar a maioria dos desastres?
Paulo Helene – Sem dúvida, desde que bem praticada lá no início da concepção, projeto, materiais, construção, controles, ensaios e manutenção preventiva adequada. Tem norma para tudo, até para Reforma e Inspeção Predial. Basta respeitar e utilizar.
4) Em sua visão, a conexão entre engenheiros, arquitetos e geólogos ainda está aquém do necessário? Ou a troca entre eles e o compartilhamento de informações acontece como deveria ser?
Paulo Helene – Sim, bem aquém do desejável. Lamentável e tristemente eu já ouvi algumas vezes frases do tipo “cada macaco no seu galho…”, demonstrando bem a ignorância e pseudoautossuficiência dos profissionais.
5) Para conseguir aumentar o nível de eficácia das construções em situações de tragédias naturais previsíveis, a iniciativa precisa partir de quem? Das autoridades governamentais, dos engenheiros, das empresas responsáveis pelas obras? Como agilizar essa mudança de perspectiva, para efetivamente salvar vidas e reduzir danos materiais o mais rápido possível?
Paulo Helene – Em primeiro lugar, da própria engenharia, fazendo sua mea culpa. Em segundo lugar, das autoridades, e, em terceiro lugar, não menos importante, da Justiça, que deveria punir e não permitir impunidades… Vide o caso da Boate Kiss [incêndio que matou 242 pessoas e feriu 636 na cidade de Santa Marina, no Rio Grande do Sul, em 2013].
Matéria publicada no Massa Cinzenta