Com a guerra entre Ucrânia e Rússia, ficou cada vez mais evidente a necessidade de diminuir a dependência de combustíveis fósseis, como é o caso do coque, na indústria do cimento – devido, principalmente, ao constante aumento de preços. Ao mesmo tempo, a crescente preocupação com o meio ambiente também vem exigindo da indústria do cimento medidas que ajudem a minimizar emissões de CO². Com isso, o setor tem buscado alternativas para reduzir impactos ao meio ambiente e tornar a cadeia mais sustentável.
“Hoje, a indústria brasileira do cimento apresenta um dos menores índices de emissão específica de CO² no mundo, graças a ações mitigadoras que vêm sendo implementadas pelo setor nas últimas décadas. Enquanto o mundo em média emite 620 quilos de CO² por tonelada de cimento, a indústria brasileira emite 564 quilos. Além disso, de acordo com a Get the Numbers Right (GNR), em 2014, o Brasil tinha 15% de uso de combustíveis alternativos (entre biomassa e resíduos industriais) para produção do cimento. Em 2019, este índice subiu para 31%. Embora seja um número bom e tenha ocorrido uma aceleração, ainda é longe da média dos países europeus, que é de 50%. Em países como Alemanha e Áustria, chega a 90%”, aponta Paulo Camillo Penna, presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC).
Confira o que tem sido feito para reduzir os impactos ao meio ambiente:
Substituição do coque por combustíveis alternativos
De acordo com Penna, uma das opções é justamente substituir o coque por meio do uso de combustíveis alternativos. “Ele é um combustível fóssil dolarizado e 90% dele é importado. 85% da nossa energia era coque. Ao fazer essa substituição, há dois ganhos principais: a redução de emissão de CO² em um cenário de mudanças climáticas e a blindagem na indústria dos constantes aumentos do combustível fóssil”, explica.
Dentre as possibilidades estão:
• Biomassa: no Brasil, por exemplo, tem o caroço de açaí, casca de babaçu, cavaco de madeira dos reflorestamentos, moinha de carvão, palha de arroz (arroz sem a casca).
• Resíduos industriais: scraps, papelões, metais, tintas, borras, químicos, etc.
• Resíduos residenciais e comerciais: é tudo aquilo que não é orgânico e não vai para a reciclagem.
Sobretudo, gera uma relação ganha-ganha. “É o que a gente chama de coprocessamento na indústria do cimento, isto é, utilizar resíduos para geração de energia. Ainda, faz parte da economia circular. Se não fosse isso, esse produto iria para um lixão, viraria passivo ambiental ou iria para aterro sanitário, sem utilização dele como fonte de energia”, expõe Penna.
Redução do uso de lixões
Ao aproveitar resíduos residenciais e comerciais na cadeia de produção do cimento, um dos grandes ganhos tem sido a redução de passivos ambientais, principalmente os lixões, que são depósitos clandestinos.
“O Brasil é um dos últimos países do mundo que ainda enterra energia. É o que estava acontecendo com materiais como papel, papelão, cavaco de madeira e resíduos industriais. Não tem o menor sentido. Nos países europeus, para você levar um resíduo para um aterro sanitário, há um custo brutal para fazer isso. O Brasil ainda está lutando para acabar com o lixão, enquanto os países mais desenvolvidos estão acabando com os aterros sanitários. Portanto, estamos usando esse resíduo para fazer o CDR (combustível derivado de resíduo) ou CDRU (combustível derivado de resíduo urbano). É o lixo que sobra da sua casa, o lixo que sobra das empresas na sua cidade, a lauda que você não usou e jogou fora.”, afirma Penna.
Uso do filler calcário
Em 2018, foi feita uma atualização da norma da ABNT que é a adição de calcário. “Com isso, reduzimos a participação de combustíveis de produtos desenvolvidos a partir da utilização de combustíveis fosseis. Ou seja, o cimento brasileiro ficou mais verde uma vez que se incorporou um produto com baixa emissão, que é o pó do calcário – chamado de filler calcário. Isto também é economia circular. Como a gente usa o calcário pro forno, esse era um passivo. Com essa medida, ele deixou de ser um passivo dentro do princípio de economia circular para virar uma adição ao cimento”, conta Penna.
Aceleradores Net Zero
Segundo Penna, foi lançado em outubro de 2021, antes da COP26, o Net Zero, um programa de neutralização das emissões de carbono da indústria do cimento até 2050.
“Hoje, aqui no Brasil, emitem-se quilos de CO² por tonelada de cimento. O nosso objetivo é baixar este índice para 375 até 2050. Se isso ocorrer, vamos evitar 420 milhões de toneladas de CO² na atmosfera. O restante deverá ser neutralizado”, pontua Penna.
Captura e Uso ou Estocagem de Carbono (CCUS)
Esta é uma iniciativa que está sendo desenvolvida em universidades e institutos de pesquisa. De acordo com informações do Roadmap Tecnológico do Cimento no Brasil, serão necessários ainda esforços adicionais no desenvolvimento e implementação de tecnologias inovadoras e emergentes. Com isso, seria possível, a partir de 2040, atingir uma redução acumulada de 38Mt de CO², representando cerca de 9% do potencial de mitigação do setor até 2050.
Ainda segundo o Roadmap, os processos de captura de CO² para aplicação na produção de clínquer são os mesmos considerados na geração de energia de outros setores industriais: pré-combustão, pós-combustão e oxi-combustão. Uma vez capturado e separado dos demais componentes do efluente, o CO² precisa ser transportado até o local de utilização ou armazenamento. Os reservatórios considerados ideais para o armazenamento de CO² são formações rochosas criadas pela deposição de sedimentos acumulados em bacias sedimentares.
Por último, a captura e utilização do carbono (CCU – Carbon Capture and Utilization) apresenta-se como uma solução mais promissora para o setor que a captura e armazenagem de carbono (CCS – Carbon Capture and Storage), em função do seu custo, de acordo com informações do Roadmap.
Matéria publicada no Massa Cinzenta