O déficit habitacional no Brasil foi estimado em 5.876.699 domicílios em 2019, segundo os últimos dados divulgados pela Fundação João Pinheiro (FJP). Na pandemia, entretanto, esse índice parece ter aumentado. Em entrevista ao Massa Cinzenta, Renato de Sousa Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), apontou que é preciso reduzir o déficit habitacional de quase 7 milhões de famílias sem moradia digna.
Durante o encontro entre a CBIC, a Caixa Econômica Federal e a Secretaria Nacional de Habitação (SNH) em julho de 2023, a industrialização do setor da construção foi apontada como ferramenta para contribuir com a resolução do déficit habitacional.
No evento, Inês Magalhães, vice-presidente de Habitação da Caixa, lembrou que a quantidade de unidades previstas para minimizar este índice nos próximos 20 anos é de cerca de um milhão de habitações por ano. Por isso, ela vê a necessidade de uma maior escala de produção.
O tema também fez parte do Seminário Industrialização da Construção Residencial, promovido pelo Sindicato da Construção Civil do Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) e Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA-RS). Roberto Sukster, vice-presidente do Sinduscon-RS, ressaltou a importância de um esforço coletivo de toda a cadeia produtiva para tornar a construção industrializada uma realidade concreta. O presidente da Asbea-RS, Vicente Brandão, lembrou que a projeção do déficit habitacional para 2030, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), é de 30,7 milhões de unidades. “Além de vontade política, é preciso muita agilidade no enfrentamento deste gargalo social”, pontuou Brandão.
Uma das vantagens deste sistema é que ele reduz tempo de obra em até 70%, além de diminuir a quantidade de resíduos produzidos. De acordo com Ricardo Brito, diretor de Engenharia da Callabrez, a industrialização consiste na utilização de sistemas construtivos que utilizam menor número de materiais e poucos processos.
“Quando falamos em robotização ou digitalização isso vem desde a parte de projeto, passando pela execução e pela montagem. Industrializar efetivamente é quando estamos construindo offsite. Nós temos a planta, nós trabalhamos com as peças prontas na planta e trazemos para a montagem em canteiro. À medida em que a robotização avança, os processos de montagem começam a ficar muito mais seguros e eles passam a ser monitorados por drones e a fazer a operação dos guindastes com muito mais tecnologia envolvida. No projeto, a décima dimensão do BIM é a industrialização. Com relação à sustentabilidade, a industrialização tem um papel preponderante em relação à neutralidade de carbono”, afirmou a engenheira Íria Doniak, presidente executiva da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto (Abcic) e vice-presidente da Federação Internacional do Concreto (fib) na gestão 2023-2024 durante o evento Concrete Show 2023.
Entraves para industrialização da construção civil
No Brasil, ainda existem diversos desafios relacionados à industrialização. “Temos um mercado imenso para crescer com sistemas construtivos industrializados. As barreiras não são de natureza tecnológica – elas são referentes a questões tributárias, de financiamento (ainda demasiadamente longos), entre outros. Mas estes desafios estão sendo vencidos justamente porque estão sendo atropelados pela demanda da neutralidade de carbono. Não vai existir outra forma de desmaterializar a não ser utilizar o concreto de uma forma mais inteligente do que aquela que utilizamos hoje”, argumenta Íria.
“Nós precisamos trabalhar para mudar as políticas públicas no sentido de desenvolver projetos, como o Minha Casa Minha Vida, utilizando construção industrializada, como forma de reduzir a autoconstrução que gera muito desperdício. Temos muito potencial para crescer com relação a isso. Há vários sistemas construtivos que estão sendo desenvolvidos, como paredes de concreto pré-moldadas, alvenaria estrutural, entre outros. Com o déficit residencial que nós temos hoje, cabe ao Governo incentivar o uso de boas técnicas neste programa habitacional”, destacou Julio Timerman, vice-presidente do Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon), durante o Concrete Show 2023.
Uma pesquisa conduzida pela FGV IBRE em abril de 2023 com empresas do setor de construção no país apresentou uma visão bastante desfavorável com relação ao uso de pré-fabricados: somente 34,6% das empresas incorporam este tipo de tecnologia em seus projetos. O desempenho mais positivo é observado entre as empresas que se dedicam a Edificações Não Residenciais, alcançando 47,7%. Mesmo entre as empresas que adotam abordagens industrializadas, apenas 24,5% empregam essas técnicas em mais da metade de suas empreitadas.
De acordo com artigo da FGV “Construção: produtividade e modernização”, de Ana Maria Castelo, Iuri Viana e Carlos André Vieira, dentre os aspectos que dificultam a industrialização estão a qualificação da mão de obra, o custo do financiamento e a estrutura tributária que onera mais a aquisição de insumos industrializados, deixando a produção no canteiro menos onerosa do ponto de vista tributário. Segundo o artigo, no Brasil, há uma relação importante da questão da baixa produtividade na construção civil com os baixos níveis de utilização de processos industrializados.
A construção que lida com a parte fabril tem um entrave grande que é a questão dos impostos – tanto a produção fabril quanto a do canteiro de obras terão uma questão de taxação maior. “É muito difícil ver este tipo de construção ficar muito mais barata do que aquelas feitas com os sistemas construtivos tradicionais. Ainda existe uma questão logística importante – há um processo de fábrica que demora muito mais tempo e que precisa ser transportado para o canteiro de obras e esta montagem é muito rápida. Necessariamente, há este descompasso, no qual o tempo de produção é muito diferente”, explica Daniela Dietz Viana, professora adjunta do Departamento Interdisciplinar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando no curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, com foco nas disciplinas da terminalidade de Engenharia de Serviços.
Para Daniela, uma das formas de entender este entrave é a questão do objetivo da construção. “Se o proprietário tem um ganho muito grande com esta questão do tempo, vai valer a pena gastar mais no produto e ganhar no tempo para ele ficar pronto. Há casos famosos de escolas e hospitais que foram desenvolvidos com esta tecnologia modular e tinham essa necessidade de serem produzidos de forma muito rápida”, aponta.
Íria e Timerman apontaram durante o Concrete Show 2023 que atualmente existe uma dificuldade com relação à mão de obra, uma vez que os jovens hoje estão mais interessados na tecnologia. “Trabalhar a indústria para qualificar e reter a mão-de-obra num ambiente industrial acaba sendo mais fácil e também conseguimos produzir mais com menos em todos os sentidos – tanto dos recursos materiais quanto dos recursos humanos”, conclui Íria.
Matéria publicada no Massa Cinzenta